Tag Archives: Transparência

Um mau Orçamento do Estado

No Negócios temos nos últimos dias analisado com detalhe a proposta de Orçamento do Estado para 2015. O balanço não é bom. Do ponto de vista macroeconómico, o Executivo alivia a austeridade adicional sobre a economia o que, dada a fragilidade da situação económica e financeira é positivo. Mas as boas notícias ficam-se por aqui.

Do ponto de vista técnico, como analisamos no Massa Monetária, é um documento opaco, optimista nos pressupostos macroeconómicos, que não explica as principais medidas na despesa e na receita, e apresenta valores de poupanças cuja razoabilidade é questionada pela própria UTAO.

Do ponto de vista de opções políticas é um documento desapontante. E esse foi o tema da opinião no “Visto por Dentro” desta semana: o Orçamento de 2015 promete muito no IRS, mas oferece pouco; promove o maior aumento de impostos indirectos da década; recusa-se a apresentar qualquer plano de gestão e reforma para o Estado; e passa ao lado de qualquer ideia para promover a produtividade no pós-troika.

No “Visto por Dentro”:

No documento, o Executivo deita a toalha ao chão e continua a responsabilizar o Tribunal Constitucional por não conseguir cortar na despesa pública, mas a verdade é que não se lhe conheceu um plano de reforma seja para a Administração Pública, seja para a Segurança Social que permitisse evitar os cortes cegos que tentou desde início. Ainda mais desapontante é a constatação de que, após quatro anos de uma estratégia de desvalorização interna com resultados sofríveis, o Governo não nos diz nada de relevante sobre como poderão as políticas públicas apoiar um aumento da produtividade nos próximos anos. Esta que tem de ser a chave de um programa de recuperação é relegada para mais uma redução da taxa de IRC (opção duvidosa num contexto depressivo) e para um elencar de medidas esparsas sem coerência evidente. Com a troika por cá, o Governo cometeu erros na governação. Mas sem ela, parece não saber ou querer governar.

Visto por Dentro, “Um Orçamento sem Governo“, 19 de Outubro de 2014

 

Números errados, ideias erradas

A meio de Abril o Governo voltou com a ideia de que conseguiriam baixar o défice orçamental através da redução de gorduras no Estado e de fusões de serviços. Dado o histórico do Executivo escolhi o tema para o Visto por Dentro, de 20 de Abril:

Uma condição para discussão séria é conhecer a realidade e para isso é essencial informação fiável e rigorosa. Infelizmente, esta nunca foi uma prioridade para o Governo. É impossível, por exemplo, saber quanto rendeu efectivamente cada uma das medidas de austeridade dos últimos três anos, existindo apenas estimativas iniciais e alguns números soltos.

(…)

Nunca saberemos ao certo se o primeiro-ministro cedeu a tentações eleitorais em 2011 ou se pura e simplesmente desconhecia o plano de ajustamento da troika e as limitações da poupança com as “gorduras no Estado”. Vê-lo voltar a essa história de fadas de grandes reduções de défice com base em ganhos de “eficiência”, menos “consultoria” e muitas “fusões” causa inevitavelmente calafrios – especialmente se considerarmos que três anos depois parece ainda não dominar o assunto em que depositou tanta esperança. Se desta vez, o primeiro-ministro errar, já não terá desculpa. Pois como disse, e bem, “às vezes criam-se ideias que não são correctas”

Visto por Dentro, 20 de Abril

Nem de propósito, uns dias depois o Conselho de Finanças Públicas apresentou a sua análise às contas públicas de 2013 e revelou que não encontrou as poupanças que Governo e troika dizem ter chegado ao terreno. No Massa Monetária destaquei o que me pareceu ser o essencial das conclusões do CFP.

É urgente muito mais transparência e rigor, especialmente quando se está a aplicar uma receita de austeridade sem precedentes. Sem ela, não sabemos o que se anda a fazer.

Eu quero saber como vota Carlos Costa

Há um mês, pela primeira vez na sua história, o BCE comprometeu-se com uma orientação de taxas de juro no médio prazo, garantindo que os juros não subiriam por um longo período de tempo. Mas na semana passada chegou mais uma novidade de Frankfurt: pelo menos três dos seis membros do Conselho Executivo, incluindo o presidente Mario Draghi, defendem a utilidade da publicação das minutas das reuniões do Conselho de Governadores (que inclui os 17 governadores do bancos centrais nacionais e os seis membros do Conselho Executivo) e no Outono apresentarão aliás uma proposta nesse sentido.

A publicação de minutas é já uma prática nos principais bancos centrais, como a Reserva Federal ou o Banco de Inglaterra, que duas a três semanas após as reuniões dão a conhecer as indicações de voto e o tipo de argumentação usada a favor e contra aspectos centrais da política monetária, como alterações de juros ou medidas não convencionais de política monetária. A argumentação individual poderá não ser atribuída, embora seja assim que acontece nos EUA, mas não no Reino Unido.

Os alegados riscos de uma evolução neste sentido estratégia de comunicação do banco central europeu têm sido evidenciados ao longo dos anos pelos responsáveis europeus, e do BCE em particular – e foram aliás reforçados ontem por Mario Draghi: a instituição é supranacional e a divulgação das posições nacionais pode sujeitar os governadores nacionais a escrutínio e pressão nacionais indesejáveis por ameaçaram a independência dos governadores. O BCE afirma aliás com orgulho que é a única verdadeira instituição europeia supranacional. O que, para outros e com menos orgulho, significa também que é a menos democrática e menos sujeita a escrutínio público.

Não recusando que poderá dar algumas dores de cabeça aos governadores, a publicação das minutas é pelo contrário um instrumento fundamental na  promoção de uma Europa com verdadeiras instituições supranacionais. Uma união monetária com instituições maduras tem de aprender a gerir e a viver com as sensibilidades e os debates nacionais. Os seus líderes só o podem ser se estiverem à altura das missões que lhes são confiadas (nacionais ou supranacionais), prosseguindo-as de forma transparente e pedagógica no plano europeu e nacional.

De mais informação para o mercado não pode vir mal, aliás só se ouviram elogios nos últimos dias de várias casas de investimento. Os investidores querem perceber o jogo de forças dentro do BCE, qual a função de reacção da política monetária (à inflação, emprego, PIB, etc.), assim como quais as opções que estão a ser estudadas e as razões da sua implementação ou adiamento.

Mas para o futuro do projecto político europeu também só pode vir bem da publicação detalhada dos argumentos e votos dos governadores do BCE, como já acontece na Fed ou no Banco de Inglaterra. A Europa precisa de se aproximar dos cidadãos e de melhorar um projecto que, durante a crise, agravou a tendência para se desenvolver no segredo dos gabinetes de Bruxelas ou Frankfurt.

Eu, por mim, quero saber em que sentido vota Carlos Costa quando se decidem juros ou a implementação de medidas de política monetária centrais para economia portuguesa e europeia. E quero também saber a argumentação usada, as alternativas e prós e contras debatidos nas reuniões.  Só assim saberei que governador temos na Almirante Reis e que banco central temos em Frankfurt.

A confirmar-se a evolução neste sentido será talvez a maior transformação do BCE na era Mario Draghi.