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De regresso de férias e às narrativas

marques

   Crédito: Carlos Luna, Flickr

Antes de sair de férias no final de Agosto escrevi um artigo no Negócios que denunciou a utilização pelo FMI de um conjunto de dados, fornecidos pelo Governo, que deturpava as actualizações salariais em Portugal em 2012.

Os números publicados num relatório oficial evidenciavam uma prevalência de salários estagnados como sinal da rigidez salarial no país, e escondiam quase um quarto da amostra de contratos. O quarto que permitia concluir que 27% dos contratos considerados experimentaram cortes salariais em 2012.

Se se trata de manipulação ou apenas um erro não é possível apurar. Mas sabemos que essa informação dava muito jeito à narrativa favorável aos cortes salariais, e também que o problema era bem conhecido tanto do Governo como FMI, que o esconderam e não corrigiram.

Nem de propósito, entrado nas férias já em Setembro, peguei num livro de Rui Tavares sobre o terramoto de Lisboa de 1755,  que aborda o papel (sempre) central das narrativas na acção política  ( da época ) .

A leitura é recomendada a todos  que  tenham curiosidade sobre o grande terramoto, sobre a forma como as relações sociais se vão moldando no tempo, ou para os que simplesmente gostem de Lisboa. A investigação inclui uma breve caracterização da ascensão de Sebastião José Carvalho e Melo a Marquês de Pombal e do seu papel num iluminismo português um pouco menos tolerante do que se imaginaria.

Às páginas tantas, Tavares escreve:

“O pombalismo viveu claramente ancorado na criação e rememoração de narrativas que lhe eram muito próprias ou mesmo exclusivas. Pode dizer-se que grande parte do poder acumulado pelo Marquês se fundou na forma como impôs as suas narrativas (sobre a expulsão dos jesuítas e sobre o “atentado” ao rei, nomeadamente), às vezes à custa (como vimos no caso de Malagrida) da inflação de factos aparentemente banais”

Comentando o “esforço tão vigoroso para controlar não só o que se lembra, como também o que se esquece e a forma como se esquece”, Rui Tavares sintetiza depois: para Pombal “uma reforma deve iniciar-se e justificar-se através de uma releitura do passado”.

Entretanto, ficámos a saber que as reduções salariais continuam em 2013.