Pedro Lains, atento, destaca esta a posição de Pedro Passos Coelho, em entrevista à CNBC, sobre o papel do BCE na crise e a desvalorização da compra de activos pelo banco central (conhecida por Quantitative Easing) como medida de dinamização económica.
“No one in the ECB can tell we ever conceived a situation where a policy like this [Quantitative Easing] could be adopted, but it’s not the mission of the ECB to improve the economic recovery,” he said.
Instead, Passos Coelho said he would prefer the central bank to play a less active role in Europe’s economy. “It’s important that the European economy can recover by its own possibilities,” he said.
A frase é notável por quatro razões. A primeira das quais é que o BCE tem como missão ajudar a melhorar a recuperação económica. Os estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais são muito claros quando à missão do banco central: manter a estabilidade de preços e, sem prejudicar esse objectivo, apoiar as políticas económicas da União que, no meio da maior crise de décadas, passa naturalmente por promover a recuperação económica.
Em segundo lugar, a declaração parece esquecer que até ao Verão de 2012 o Governo lutou com todas as forças para endireitar as contas públicas e baixar as taxas juros, apenas para ver o esforço (pago em empregos e austeridade) esfumar-se no risco de implosão da Zona Euro. Foi só com “o BCE fará o que for necessário” para salvar o euro de Draghi que o tabuleiro na Europa virou.
Em terceiro lugar, a declaração desvaloriza o papel essencial do banco central a gerar inflação na Zona Euro, em particular no Norte – o que é essencial para fugir à deflação, mas também para que o “empobrecimento” planeado em Portugal funcione (Até o BCE já concedeu que muito provavelmente terá de fazer alguma coisa em Junho, embora ainda não a compra de activos). E desvaloriza também o contributo que a política monetária pode dar para combater a fragmentação do mercados financeiros da Zona Euro.
Finalmente, e esta é a razão deste “post”, a posição do Governo evidencia mais uma vez a incapacidade do Executivo de assumir objectivos divergentes ou conflituantes com as sensibilidades dos credores – o que seria normal e até saudável, como mostra o caso Irlandês (na recapitalização retroactiva dos seus bancos e na defesa de mais estímulos no Norte da Europa). Foi esse o tema do “Visto por Dentro” do Negócios de final de Março e que ainda não tinha tido tempo de trazer para o Perestroika:
O governo irlandês não se inibe de assumir objectivos conflituosos com os interesses dos credores pela simples razão de que os países têm, necessariamente, interesses diferentes. A negociação faz parte de naturais relações políticas entre os Estados e a afirmação de objectivos nacionais é saudável e alivia a inevitável carga negativa que recai sobre qualquer governo que tem de conduzir o país por um ajustamento doloroso.
A aparente inabilidade política portuguesa, moldada à imagem do anterior ministro das Finanças – que acabou de assinar um contrato de trabalho com o FMI que lhe garante o pleno como funcionário das três instituições que compõem a troika – é prejudicial para Portugal e para o próprio Executivo. Já que quer seguir a Irlanda, por que não se comporta como a Irlanda?
Visto por Dentro, 31 de Março