Monthly Archives: May 2014

A troika foi boa, má ou assim-assim?

Como se compreende que a troika seja um sucesso para uns e um insucesso para outros no Visto por Dentro que se seguiu à marca dos três anos do programa de ajustamento.

Os outros dois tipos de análise [sucesso e falhanço] têm razão de ser, e dependem da forma como entendermos a troika: se uma força de intervenção rápida, com a missão de recuperar o acesso aos mercados, baixar o défice externo e evitar reestruturações de dívida – mesmo que com graves danos colaterais; ou, em alternativa, se como uma equipa de protecção e recuperação de um país devastado por um acidente de enorme. No primeiro caso, o sucesso é inquestionável. No segundo, os resultados são sofríveis e desaconselham os festejos que temos visto especialmente dos “parceiros europeus”.

Visto por Dentro, 19 de Maio

Números errados, ideias erradas

A meio de Abril o Governo voltou com a ideia de que conseguiriam baixar o défice orçamental através da redução de gorduras no Estado e de fusões de serviços. Dado o histórico do Executivo escolhi o tema para o Visto por Dentro, de 20 de Abril:

Uma condição para discussão séria é conhecer a realidade e para isso é essencial informação fiável e rigorosa. Infelizmente, esta nunca foi uma prioridade para o Governo. É impossível, por exemplo, saber quanto rendeu efectivamente cada uma das medidas de austeridade dos últimos três anos, existindo apenas estimativas iniciais e alguns números soltos.

(…)

Nunca saberemos ao certo se o primeiro-ministro cedeu a tentações eleitorais em 2011 ou se pura e simplesmente desconhecia o plano de ajustamento da troika e as limitações da poupança com as “gorduras no Estado”. Vê-lo voltar a essa história de fadas de grandes reduções de défice com base em ganhos de “eficiência”, menos “consultoria” e muitas “fusões” causa inevitavelmente calafrios – especialmente se considerarmos que três anos depois parece ainda não dominar o assunto em que depositou tanta esperança. Se desta vez, o primeiro-ministro errar, já não terá desculpa. Pois como disse, e bem, “às vezes criam-se ideias que não são correctas”

Visto por Dentro, 20 de Abril

Nem de propósito, uns dias depois o Conselho de Finanças Públicas apresentou a sua análise às contas públicas de 2013 e revelou que não encontrou as poupanças que Governo e troika dizem ter chegado ao terreno. No Massa Monetária destaquei o que me pareceu ser o essencial das conclusões do CFP.

É urgente muito mais transparência e rigor, especialmente quando se está a aplicar uma receita de austeridade sem precedentes. Sem ela, não sabemos o que se anda a fazer.

Portugal deveria ser mais como a Irlanda

Pedro Lains, atento, destaca esta a posição de Pedro Passos Coelho, em entrevista à CNBC, sobre o papel do BCE na crise e a desvalorização da compra de activos pelo banco central (conhecida por Quantitative Easing) como medida de dinamização económica.

“No one in the ECB can tell we ever conceived a situation where a policy like this [Quantitative Easing] could be adopted, but it’s not the mission of the ECB to improve the economic recovery,” he said.

Instead, Passos Coelho said he would prefer the central bank to play a less active role in Europe’s economy. “It’s important that the European economy can recover by its own possibilities,” he said.

A frase é notável por quatro razões. A primeira das quais é que o BCE tem como missão ajudar a melhorar a recuperação económica. Os estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais são muito claros quando à missão do banco central: manter a estabilidade de preços e, sem prejudicar esse objectivo, apoiar as políticas económicas da União que, no meio da maior crise de décadas, passa naturalmente por promover a recuperação económica.

Em segundo lugar, a declaração parece esquecer que até ao Verão de 2012 o Governo lutou com todas as forças para endireitar as contas públicas e baixar as taxas juros, apenas para ver o esforço (pago em empregos e austeridade) esfumar-se no risco de implosão da Zona Euro. Foi só com “o BCE fará o que for necessário” para salvar o euro de Draghi que o tabuleiro na Europa virou.

Em terceiro lugar, a declaração desvaloriza o papel essencial do banco central a gerar inflação na Zona Euro, em particular no Norte – o que é essencial para fugir à deflação, mas também para que o “empobrecimento” planeado em Portugal funcione (Até o BCE já concedeu que muito provavelmente terá de fazer alguma coisa em Junho, embora ainda não a compra de activos). E desvaloriza também o contributo que a política monetária pode dar para combater a fragmentação do mercados financeiros da Zona Euro.

Finalmente, e esta é a razão deste “post”, a posição do Governo evidencia mais uma vez a incapacidade do Executivo de assumir objectivos divergentes ou conflituantes com as sensibilidades dos credores – o que seria normal e até saudável, como mostra o caso Irlandês (na recapitalização retroactiva dos seus bancos e na defesa de mais estímulos no Norte da Europa). Foi esse o tema do “Visto por Dentro” do Negócios de final de Março e que ainda não tinha tido tempo de trazer para o Perestroika:

O governo irlandês não se inibe de assumir objectivos conflituosos com os interesses dos credores pela simples razão de que os países têm, necessariamente, interesses diferentes. A negociação faz parte de naturais relações políticas entre os Estados e a afirmação de objectivos nacionais é saudável e alivia a inevitável carga negativa que recai sobre qualquer governo que tem de conduzir o país por um ajustamento doloroso. 

A aparente inabilidade política portuguesa, moldada à imagem do anterior ministro das Finanças – que acabou de assinar um contrato de trabalho com o FMI que lhe garante o pleno como funcionário das três instituições que compõem a troika – é prejudicial para Portugal e para o próprio Executivo. Já que quer seguir a Irlanda, por que não se comporta como a Irlanda?

Visto por Dentro, 31 de Março